O sangrador revelou-se extraordinariamente eficiente. A sangria foi dura e tem efeitos complexos que são por ele atentamente medidos, de dois em dois dias. A sangria tem também efeito no discernimento. A viagem vai longa. Nove meses. Não voltam para trás e já são muitos. Cansam. Pesam. São um enorme exercício de persistência. A nau continua devagar. Há maresia, por enquanto. O físico continua de pé. É imprescindível que eu atente bem nas suas palavras. De repente pode aparecer tempestade e é ele que sabe lidar com ela.
12 de abril de 2013
15 de março de 2013
O sangrador
Depois da expedição ao interior destas paragens para consulta de um oráculo, percebi que o físico teve uma troca de palavras com um sangrador. Decidiram em conjunto outras ideias para a epidemia que grassa na nau. Conversam muito, em silêncio. O sangrador parece seguro, é mais novo e parece ter aprendido bem a sua arte. A viagem só continuará depois daquelas conversas acabarem. Esta, como todas as paragens, será dura.
21 de fevereiro de 2013
10
Mais uma. Fez-se. Não tem gosto de vitória, o caminho é tão longo....Sou um marinheiro cansado de pensar no assunto da minha viagem. O físico está desalentado e eu não percebo o que ele me diz. Parece-me que passou a falar outra língua, o que não me facilita de todo a jornada. Parte brevemente uma comissão ao interior desta terra, vamos consultar um oráculo, que dirá o que pensa da epidemia que se vive a bordo. Claro que eu vou, sou o melhor exemplar da dita epidemia. Esta paragem vai ser longa e eu estou cansada de pensar. O mundo é mesmo um sítio melhor para os que exercitam menos as artes da reflexão.
21 de janeiro de 2013
19 de janeiro de 2013
O cabo
A viagem é tão árdua que mal dei pelo cabo. Passou, cheio de tempestade. O físico foi mais afoito que eu. Havia barulho, gritaria, um mar agitado. O monstro não é imaginação literária do tempo da nau. Existe e tem força. Gostava de o ter visto mais fraco mas não foi possível. Olhei-o contudo nos olhos, não lhe quis mostrar fraqueza. Medo tenho. Fraqueza não posso ter. Tenho a mesma fé do físico, na ciência e nas pessoas. Muito mais do que no Deus que afinal é o mote moral destas viagens que espalham a fé de Portugal até ao Oriente. Mas mais uma vez, a minha incursão é diferente da deles, até nisso. O cabo passou. O monstro existe, a viagem continua.
Apontamento sérvio
As trocas de ideias cientificas, ensinou-me a experiência familiar, no seio da qual a Ciência me foi incutida, trazem amigos. Adoptei o sistema. Vejo nos pares internacionais, quando sim, amigos científicos cujos conhecimentos, vivências e culturas se revelam ora caricatas, ora fascinantes. Da Sérvia, de Belgrado, chegaram-me palavras abaixo transcritas. Simples, incisivas, energéticas, desprovidas de reliogiosidades, lamechices ou quaisquer resquícios de negativismo. Apenas transmissão de força. É fundamental à viagem e vem de quem, sem que eu soubesse, é um companheiro da minha guerra. Já esteve nela e nas do seu país. Um cientista que sabe que o que não nos mata, nos vai tornando mais fortes.
"Dear M, HANG IN THERE, YOU CAN DO IT!"
29 de dezembro de 2012
8
A oitava paragem foi atribulada. Atrasou-se. As raízes não estavam em condições e o marinheiro também não. Acabou, dizem, por se fazer algures entre o Natal e o fim deste ano de má memória mas nisto da viagem não há natais nem mudanças de ano. São pormenores sem importância e o que interessa é navegar. Os meus continuam firmes. Aqui o marinheiro está cansado. O físico, como sempre, mantém a boa forma e o comandante enche-se, com ele, das forças necessárias para a passagem das Tormentas que está a dias de distância. Nunca o norte de África pareceu a ninguém tão extenso mas a minha carta de marinhar é árdua, daí a demora.
28 de novembro de 2012
Voltando às pessoas
As pessoas, por si e nisto da viagem, davam muitas páginas escritas. Há várias tipologias de pessoas no caminho. A viagem transforma quem acompanha o marinheiro vitimado pela epidemia, não muda só o marinheiro. No meu caso, sou privilegiada na medida em que sou a mulher do comandante. Tem a mão no leme, não tem medo de nada, percebe tudo o que o físico grita lá do alto da gávea. A água do comandante é aquela que nunca apodrece, por isso ele nunca tem sede. Tem a força semelhante à do mar. A nau está cheia de pessoas. A família está lá toda, dotada de espírito científico avançado para o tempo da minha nau. Os meus descendentes são a energia da nau. Os filhos, nisto da viagem, são o grande motor, o grande estímulo e o grande prémio de consolação. Têm a força semelhante à do vento. Depois estão muitos outros, os amigos. Os de sempre, os que já conhecem os caminhos anteriores a este malfadado marejar. Os que reapareceram como se ainda ontem tivessem estado comigo, os incrivelmente longínquos que marcam presença, os do dia a dia que se revelam fortes como rochedos, os que moram perto e entram para dentro da nau, os que até nos diziam pouco ou nada e se revelam presentes. Têm a força da terra que se avista do mar e que representa o solo firme, o porto de abrigo. A tripulação representa na viagem um papel importante, ajuda a olhar para o futuro e a tolerar melhor o acre sabor das raízes.
26 de novembro de 2012
7
O físico entende que para eu continuar a travessia, preciso de tomar as suas raízes esmigalhadas no almofariz e bem misturadas com água. São muito azedas e custam muito a engolir. Estão armazenadas num recanto da botica da nau, que é uma mala grande. Estão bem guardadas numa caixa pequena e trancada. Só o físico tem essa chave, a da botica propriamente dita está também na posse do barbeiro, para o caso de acontecer ao primeiro algum imponderável. Se acontecer, não acedo às ditas raízes mas elas são muito raras, têm que durar toda a viagem, principalmente para os marinheiros mais atingidos, nos quais eu me incluo. Ninguém lhes mexe. Melhoram a epidemia. Aligeiram-na. Misturam-se com o sal do mar, com o movimento das ondas, com os vapores da epidemia e com os humores da tripulação. Por isso dificultam a travessia. A vela assegura o bom caminho, obedece ao vento. O físico é a divindade viva da nau. Não tem medo do monstro das Tormentas, conhece-lhe bem as manhas.
15 de novembro de 2012
A paciência e as pessoas
As grandes virtudes da viagem são o facto de ela ensinar a paciência a quem, como eu, nunca foi paciente (pronto, haveria maneiras mais levezinhas mas foi o que arranjou) e as pessoas. As pessoas ficam doentes dos nervos quando sabem que um próximo está dentro da nau e é extraordinário observar a tipologia de reacções que rodeiam os dias da travessia. Um destes dias dedico-me ao tema. E a resistência também ajuda, claro, sem ela, nada feito mas esta não é uma virtude. É um pré requisito.
14 de novembro de 2012
6
Ora a sexta paragem fez-se. Seis paragens como a minha é o número habitual para os bravos marinheiros que viajaram por estes mares turbulentos. Bravos marinheiros, abençoados. No meu caso, seis paragens não chegam, são precisas mais. É uma viagem com emoção. O cansaço é grande. A analogia continua. É que escrever o diário de bordo serve essencialmente como catarse (pessoal) e é importante encarar isto como uma viagem.
24 de outubro de 2012
Tempestades
Lá disse aqui o marinheiro no inicio da viagem que a coisa se faria da conjugação de tempestades com dias solarengos. Agora temos tempestade, não porque lá de cima da gávea o físico não tenha boas notícias mas porque a viagem per si se reveste de dificuldades. O monstro Adamastor combate-se com a força física mas também com a energia do intelecto e este nem sempre está pelos ajustes. A viagem é impiedosa a vários níveis, só a conhecem os marinheiros que a fizeram. Mais ninguém. A viagem tem linguagem própria, piadas próprias, códigos próprios. Os outros marinheiros das outras naus da armada não podem compreender o que para eles não é compreensivel. Não podem e ainda bem para eles. As mezinhas comem memória, destreza, auto estima e muitas outras coisas mas como este diário de bordo é meu, também me compete registar que nem sempre a viagem tem ânimo. Para que um dia se apague das palavras como não se há de apagar das memórias, da minha e da dos meus.
15 de outubro de 2012
5
Contar as paragens na viagem é exactamente como riscar os dias na parede da prisão.
Hoje, 5 paragens, 3 meses e 3 dias de viagem.
Hoje, 5 paragens, 3 meses e 3 dias de viagem.
13 de outubro de 2012
A vida vista ao contrário
Implica gargalhar perante uma conversa de café na qual uma transeunte diz a outra "que horrrror estou doentíssima sabes lá, estou com uma enxaqueca enorme". Ah! Enxaqueca. Venha ela.
8 de outubro de 2012
Diário de bordo
Há dias o físico (douto e seguro conforme já o descrevi) entusiasmou-se, subiu à gávea qual figura camoniana e disse que a epidemia diminuiu a força, as raízes têm tido bons efeitos na marinhagem. Nunca se sabe o que aparece na próxima paragem mas há alguma alegria na nau. A viagem continua árdua, é a mais dura de todas as viagens. Corre a noticia que o Cabo das Tormentas está quase aí, o Adamastor não parece tão assustador mas grita o físico que afinal a nau vai mais longe, o caminho vai bem para lá do Adamastor e a epidemia precisa de vigilância atenta. A tripulação continua firme e tem elementos valiosos no esforço de chegar a bom porto.
7 de outubro de 2012
Coisas boas
"A tia tem mesmo graça. É que ninguém pode dizer que está doente, é incrível."
(Conversa de sobrinho e tia, na companhia do Tejo e aguardando a chegada de um bife)
27 de setembro de 2012
24 de setembro de 2012
Outra, mais uma
A quarta escala e eu já acho que isto está mais para travessia no deserto do que para travessia no mar, logo eu que odeio areia. Vem lá mais uma mas não é relevante a localização, mais uma e pronto.
22 de setembro de 2012
7 de setembro de 2012
3 de setembro de 2012
Subscrever:
Mensagens (Atom)