28 de novembro de 2012

Voltando às pessoas

As pessoas, por si e nisto da viagem, davam muitas páginas escritas. Há várias tipologias de pessoas no caminho. A viagem transforma quem acompanha o marinheiro vitimado pela epidemia, não muda só o marinheiro. No meu caso, sou privilegiada na medida em que sou a mulher do comandante. Tem a mão no leme, não tem medo de nada, percebe tudo o que o físico grita lá do alto da gávea. A água do comandante é aquela que nunca apodrece, por isso ele nunca tem sede. Tem a força semelhante à do mar. A nau está cheia de pessoas. A família está lá toda, dotada de espírito científico avançado para o tempo da minha nau. Os meus descendentes são a energia da nau. Os filhos, nisto da viagem, são o grande motor, o grande estímulo e o grande prémio de consolação. Têm a força semelhante à do vento. Depois estão muitos outros, os amigos. Os de sempre, os que já conhecem os caminhos anteriores a este malfadado marejar. Os que reapareceram como se ainda ontem tivessem estado comigo, os incrivelmente longínquos que marcam presença, os do dia a dia que se revelam fortes como rochedos, os que moram perto e entram para dentro da nau, os que até nos diziam pouco ou nada e se revelam presentes. Têm a força da terra que se avista do mar e que representa o solo firme, o porto de abrigo. A tripulação representa na viagem um papel importante, ajuda a olhar para o futuro    e a tolerar melhor o acre sabor das raízes.

26 de novembro de 2012

7

O físico entende que para eu continuar a travessia, preciso de tomar as suas raízes esmigalhadas no almofariz e bem misturadas com água. São muito azedas e custam muito a engolir. Estão armazenadas num recanto da botica da nau, que é uma mala grande. Estão bem guardadas numa caixa pequena e trancada. Só o físico tem essa chave, a da botica propriamente dita está também na posse do barbeiro, para o caso de acontecer ao primeiro algum imponderável. Se acontecer, não acedo às ditas raízes mas elas são muito raras, têm que durar toda a viagem, principalmente para os marinheiros mais atingidos, nos quais eu me incluo. Ninguém lhes mexe. Melhoram a epidemia. Aligeiram-na. Misturam-se com o sal do mar, com o movimento das ondas, com os vapores da epidemia e com os humores da tripulação. Por isso dificultam a travessia. A vela assegura o bom caminho, obedece ao vento. O físico é a divindade viva da nau. Não tem medo do monstro das Tormentas, conhece-lhe bem as manhas.

15 de novembro de 2012

A paciência e as pessoas

As grandes virtudes da viagem são o facto de ela ensinar a paciência a quem, como eu, nunca foi paciente (pronto, haveria maneiras mais levezinhas mas foi o que arranjou) e as pessoas. As pessoas ficam doentes dos nervos quando sabem que um próximo está dentro da nau e é extraordinário observar a tipologia de reacções que rodeiam os dias da travessia. Um destes dias dedico-me ao tema. E a resistência também ajuda, claro, sem ela, nada feito mas esta não é uma virtude. É um pré requisito.

14 de novembro de 2012

6

Ora a sexta paragem fez-se. Seis paragens como a minha é o número habitual para os bravos marinheiros que viajaram por estes mares turbulentos. Bravos marinheiros, abençoados. No meu caso, seis paragens não chegam, são precisas mais. É uma viagem com emoção.  O cansaço é grande. A analogia continua. É que escrever o diário de bordo serve essencialmente como catarse  (pessoal) e é importante encarar isto como uma viagem.